“Não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma.” Mikhail Bakunin
Memória e Perceção
A memória humana é um sistema bastante complexo que, apesar da sua enorme capacidade e importância, se pode revelar de um momento para outro falível. Todo nós nos queixamos, por vezes, de que a nossa memória é horrível. Mas muito pelo contrário, trata-se de um sistema magnífico sem o qual não existiria aprendizagem, as relações interpessoais seriam impossíveis e passaríamos a viver um eterno presente sem qualquer percepção do passado.
A memória é o fundamento de todos os comportamentos e conhecimentos dos seres humanos, além de se encontrar associada às emoções e capacidade de decisão: é a memória que assegura a adaptação ao meio ambiente e gera a atribuição subjetiva de significações às nossas vivências. Nós somos seres feitos de memória, colectiva e individual. A própria consciência pessoal depende do bom funcionamento da memória. A memória é a capacidade de adquirir (aquisição), armazenar (consolidação) e recuperar (evocar) informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória biológica), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial). A memória é um processo indissociável, dado que, por um lado, uma conduta só se encara assimilada se for retida ou memorizada e, por outro, só se pode reter o que foi aprendido.
Segundo o modelo de processamento de informação, de inspiração cibernética, a memória contém quatro momentos essenciais:
- Receção e codificação: a informação é recebida, tendo que ser devidamente preparada para que o armazenamento possa ser feito;
- Armazenamento: depois do tratamento das informações, estas são armazenadas num grande depósito;
- Recuperação: sempre que carecemos de uma informação, há que ir procurá-la ao armazém;
- Esquecimento: com o tempo, os dados amnésicos perdem-se e este desaparecimento vai possibilitar granjear conteúdos novos.
Este modelo supõe igualmente a existência de três tipos de memória implicados na organização do universo das nossas lembranças: a memória sensorial, a memória a curto prazo e a memória a longo prazo. A memória é a base do conhecimento, como tal, esta deve ser trabalhada e estimulada. É através dela que damos significado ao quotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida.
Decidi aprofundar a minha reflexão na memória a longo prazo que pode ser considerada declarativa e não declarativa.
Memória declarativa também pode ser designada por explícita ou memoria com registo, (implica a consciência do passado, levando a reportarmo-nos a acontecimentos, fatos e pessoas que conhecemos/ aconteceram no passado). É devido a este tipo de memória que se consegue descrever as funções das áreas pré-frontais: os heterónimos de Fernando Pessoa, o nome dos teus amigos, o aniversário da tua mãe. Este tipo de memória reúne tudo o que podemos evocar/declarar por meio de palavras (daí o termo declarativa). Distinguem-se, neste tipo de memória, dois subsistemas: a memória episódica e a memória semântica;
Quando envolve eventos datados, recordações (rosto de amigos pessoas famosas, músicas, fatos e experiências pessoais) ou seja relacionados com o tempo, usamos a memória episódica, por exemplo, quando lembramos do ataque terrorista em 11 de Setembro ou o primeiro dia de escola. A memória semântica é, portanto, uma memória pessoal na qual que se manifesta uma relação íntima ente quem recorda e o que se recorda.
A memória semântica abrange a memória do significado das palavras. Este tipo de memória refere-se ao conhecimento geral sobre o mundo (fórmulas matemáticas, regras gramaticais, leis da química, fatos históricos, etc. Neste tipo de memória não há localização no tempo (ao contrário da memória episódica), não está associada a nenhum conhecimento, ação ou fato especifico do passado. Por exemplo: 1+1 = 2 é um conhecimento em que se usa a memória semântica mas pode associar-se a este raciocínio que quem me ensinou a fazer contas foi a minha professora da primária este dado leva-me a usar a memória episódica. A memória semântica é a coparticipação do significado de uma palavra que possibilita às pessoas manterem conversas com significado. A memória semântica ocorre quando envolve conceitos atemporais.
A Memória não-declarativa difere-se da memória declarativa porque esta não precisa ser declarada (enunciada). É uma memória automática. É a memória usada para procedimentos e habilidades, como por exemplo: andar de bicicleta, jogar bola, atar os cordões, lavar os dentes, ler um livro, etc. A memória não declarativa também pode ser designada por memória implícita ou sem registo. Tudo o que fazemos e o que fizemos tem alguma ligação com a memória, seja ela implícita ou explicita. A sua velocidade surpreendente ajuda-nos em instantes e instrui-nos para agirmos por vezes de um determinado modo. A percepção é a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais a partir do histórico de vivências passadas. Através da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos.
Na aula de psicologia aprendemos que a percepção é uma operação cognitiva essencial na compreensão do mundo à nossa volta. Quando somos impressionados por estímulos, a percepção já nos permite saber de que coisas se tratam. Por ela ouvimos conversas, música, ruídos e sabemos o que essas coisas são; vemos livros, pessoas, automóveis, cenas na televisão e identificamos todas estas realidades; sentimos diversos cheiros, diferenças de temperatura e de cor; distinguimos doces de salgados; sofremos dores de cabeça; contorcemo-nos com náuseas; sentimo-nos indispostos ou aliviados. E reagimos adequadamente a tudo isto, porque nos sentimos num mundo familiar devidamente organizado. Mas os estímulos, por si sós, nada nos dizem. Eles são mudos, apenas dizendo alguma coisa depois de sujeitos a um processo de "leitura". Sons e cores, por exemplo, são algo que só adquire realidade quando os impulsos nervosos provocados pela estimulação do tímpano e da retina alcançam áreas cerebrais específicas. Só aí é que surge, então, a consciência de qualquer coisa de significativo.
Decidi aprofundar então a perceção visual.
A perceção visual permite-nos uma enorme fonte de informação sobre o mundo. Há todo um processo biológico complexo no qual o estímulo visual é alterado, não se projetando no nosso cérebro como um slide num ecrã. Os estímulos luminosos que sensibilizam a nossa retina são codificados em impulsos nervosos, que são delegados pelos nervos óticos às áreas visuais do córtex, que os processam como uma representação. Este processo é muito complexo, o qual não corresponde à comparação feita, durante muito tempo, com uma máquina fotográfica. Afigurava-se, à primeira vista, que o mecanismo era análogo: aos olhos corresponderia a lente, à retina o filme onde a imagem era projetada de forma invertida. Todavia, havia muitos aspetos que escapavam a esta comparação, nomeadamente: como é que a imagem projetada a duas dimensões se transforma numa imagem a três dimensões? Como é que identificamos um objeto como sendo o mesmo, se na retina aparece com diversos tamanhos, se estiver a diferentes distâncias? A perceção visual não regista as imagens de forma passiva como a máquina fotográfica. Dá-nos um mundo tridimensional, estável e com significado. É no cérebro que se vão estruturar e organizar as representações do mundo, é nele que se dá sentido ao que vemos e ouvimos. É por isso que se diz que é no cérebro que se ouve, se vê, se sente o frio, o calor, os cheiros e os sabores. De facto, ao fazermos a descrição dos mecanismos da perceção, inferimos que a visão que temos do mundo não é uma reprodução da realidade, mas sim uma interpretação. Perante um meio que nos envolve pleno de estímulos de toda a ordem, a perceção cumpre um processo de seleção que nos faculta captar somente alguns, aqueles que nos interessam e que têm significado para nós. A atenção e a motivação filtram os dados recolhidos, tratando apenas de alguns ao nível consciente. A percepção visual está em toda a parte da nossa vida. A nossa percepção, de certas coisas já é automática no nosso cérebro e fazemos ligações diretas nas nossas cabeças ligando certas imagens a certos assuntos que nos relacionamos.
Concluo que todos os nossos sentidos são de suma importância para a nossa sobrevivência, e que o estudo desses sentidos é de essencial relevância para que possamos entender melhor também quando esses sentidos não estão a correr bem.